Nota sobre a cobertura de massacres em escolas

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Nota sobre a cobertura de massacres em escolas

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A cobertura de massacres em escolas no Brasil nos convida para uma reflexão: qual o papel da mídia para evitar que casos como esses aconteçam?

Esta semana vimos circular mais uma vez uma série de notícias, reportagens, postagens e também boatos com nomes, fotos e detalhes sobre o ataque a uma escola de educação infantil em Santa Catarina. Este episódio reabre novamente a questão se a maneira como atentados e massacres em escolas são noticiados podem influenciar a ocorrência de outros.

A tendência da mídia em geral é concentrar seus esforços em desvendar o que se passa na cabeça do autor de um ataque, vasculhar sua vida, perfil nas redes sociais e todos os passos tomados para planejar o ataque. A audiência também por curiosidade busca saber detalhes do episódio, imagens, e principalmente sempre vem a pergunta do por quê e qual foi motivação para tal ato.

Mas é um erro atribuir ao bullying ou aos games violentos os motivos para a ocorrência de uma violência dessa natureza. Primeiro porque nem toda vítima de bullying ou jogadores de games violentos estão propensos a cometerem os mesmos atos, segundo porque é preciso sempre informar às pessoas que o que faz alguém passar a um ato trágico como este é uma combinação complexa de fatores, não é possível atribuir uma causalidade única. Sabemos que o sofrimento e a angústia, especialmente dos familiares, faz com todos busquem respostas como forma de dar alguma explicação para uma dor que permanece indizível, onde faltam palavras. Por isso o momento é de respeitar esta dor e fazer uma cobertura responsável que preserve a identidade de todos os envolvido,

Estudos da The American Psychological Association apontam que o tipo de cobertura da mídia é um fator que pode levar a mais ocorrências de ataques, o que se chama de contágio da mídia (media contagion), ou efeito copycat, que é quando o modo como é feita cobertura destes eventos inspira outras pessoas a cometeram atentados semelhantes. A pesquisadora Jennifer Johnston é categórica ao dizer que se formadores de opinião de veículos e redes sociais fizerem um pacto para não mais compartilhar, reproduzir ou publicar nomes, rostos, histórias detalhadas dos assassinos, poderemos ver uma redução dramática de novos casos.

Mostrar nomes, materiais usados no planejamento dos ataques, site, grupos e fóruns de apologia à violência tem efeito tutorial e muito prejudicial. A exposição massiva na imprensa é o troféu para grupos que estimulam ataques violentos na internet. Assim, forma-se um círculo vicioso. Sites de projetos que defendem uma mudança na forma de relatar crimes como assassinatos em série, como o No Notoriety e o Don't Name Them, explicam bem como essa lógica funciona. 

Por isso é tão importante que seja feita uma cobertura responsável que aponte para as questões de fundo envolvidas em mais este episódio sobre a violência nas escolas e qual é o papel de cada um, poder público, comunidade e imprensa para evitar que outros casos semelhantes aconteçam. 

Recomendações para cobertura da mídia:

  • Não cite nomes das pessoas envolvidas, isso só aumenta a curiosidade e faz com que haja um culto a personalidade dos assassinos;
  • Não tonre o autor do ataque protagonista da notícia, conte as histórias das vítmas e de heróis anônimos que salvaram vidas em atentados;
  • Preserve a identidade dos envolvidos, o Estatuto da Criança e do adolescente garante o direito ao respeito da inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, e que abrange a preservação da imagem e da identidade da criança e do adolescente 
  • Explique que motivações são plurais e não determinadas por um único fator/episódio/aspecto isolado. Bullying, jogos violentos, grupos on-line, conflitos interpessoais e a "deep web" não transformam ninguém em um assassino, mas podem influenciar comportamentos e estimular radicalização;
  • Sempre que possível, dê visibilidade a programas educativos e ações de sucesso que promovem a convivência social e ambientes acolhedores para mediar conflitos nas escolas;
  • Mostre como denunciar e buscar ajuda ao identificar sinais e suspeitas;
  • Não espetacularize tragédias humanas.

Pais e educadores também têm um papel importante. 

Fique atento aos sinais de alerta em casa e na escola

  • Em geral, há preparação e sinais prévios;
  • Reações extremas e comportamentos agressivos repentinos em situações pontuais podem ser sinal de dificuldade de regulação emocional e controle da raiva;
  • Isolamento social, desconexão repentina com atividades escolares, mudança nos hábitos de sono e alimentação; 
  • Expressão de sentimento de perseguição e verbalização de planos de vingança (nas conversas na escola ou na Internet);
  • Fascinação e obsessão por armas, publicações de fotos e vídeos com exaltação do uso de armas; 
  • Pesquisas excessivas na Internet sobre ataques, tragédias e conteúdos de apologia à violência;
  • Glorificação de ataques e de atiradores;

A tecnologia não tem culpa

  • O uso da criptografia é importante para garantir o direito à privacidade e a livre comunicação. Para o combate a crimes na internet e na chamada deep web, deve-se fortalecer mecanismos de investigação e a cooperação internacional entre autoridades.
  • Os jogos eletrônicos podem ter narrativas muito complexas. Mesmo que alguns abordem temas violentos e possuam personagens com condutas antissociais, não podemos estabelecer uma relação de causa e efeito entre jogos violentos e comportamento violento, especialmente ao considerarmos que são bilhões de jogadores que jamais comentem qualquer violência. Há classificação indicativa dos jogos para orientar as famílias e ferramentas de controle parental para limitar as interações entre crianças e adolescentes. 

Prevenir para proteger

  • Alunos precisam ser educados para diferenciar zoeira de discriminação, intimidação e humilhação. Isso é educar para a cultura de respeito e cidadania; 
  • Investir em educação socioemocional é uma forma de investir em relações sociais mais saudáveis, logo mais seguras;
  • Ações de acolhimento e valorização da diversidade ajudam a construir ambientes mais saudáveis;
  • Crianças e adolescentes precisam de apoio para aprender a expressar suas emoções e sentimentos, incluindo aquelas que por ventura pratiquem bullying. 
  • É preciso garantir o cuidado com a saúde mental e emocional também dos educadores e profissionais das escolas;
  • Capacitar professores e oferecer recursos para implementação de ações de promoção de convivência pacífica como preconizado pela Lei 13.185/2015 e na própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação);
  • Estimular iniciativas de resolução pacífica de conflitos fortalece a solidariedade no contexto da escola, e atende às previsões das competências gerais da Base Nacional Comum Curricular.
  • Promover ações sobre uso seguro, responsável e crítico da Internet pode estimular rotinas digitais mais saudáveis entre os alunos e relações mais empáticas também no contexto do ensino remoto. 

Se for o caso, denuncie:

  • Crimes de incitação à violência na Internet? Acesse www.denuncie.org.br
  • Crimes de incitação à violência fora da Internet? Acesse a Sala do Cidadão do MPF www.mpf.mp.br/sac

As redes sociais e as principais plataformas online não permitem publicação de conteúdos de apologia à violência com ameaças a alvos ou planejamento de ataques. Denuncie postagens suspeitas. 

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Instagram

Twitter

Tik Tok

Após tragédias como em Santa Catarina é muito importante criar espaços seguros para acolher o sofrimento dos sobreviventes e dos familiares. Que o triste episódio estimule a criação de mais iniciativas de promoção da cultura de paz.

Equipe SaferNet Brasil

07/05/2021

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